segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

SER OU NÃO SER: EIS A QUESTÃO!


Esta inquirição enigmática de Shakespeare caiu no vocabulário das sentenças populares. Porém, ela é uma questão investida de conteúdo existencial mais significante e reflexiva do que se possa imaginar. De alguma forma, ela traduz uma questão séria à qual estamos constantemente respondendo, direta ou indiretamente, por meio de palavras, atitudes, prioridades, valores... Enfim, pelo nosso próprio estilo de vida. Afinal, ser é mesmo o fator mais importante na vida?


Não restam dúvidas de que a nossa sociedade – midiática, mercadológica e massificadora – supervaloriza o “ter” e, em alguns momentos, o “fazer”, tudo isso a partir de um critério de avaliação opressivo e manipulador. Infelizmente esta pressão comportamental tem sido lançada sobre todos os cantos desta nossa sociedade pós-moderna: começando pela sala de estar(pela TV) ou pelo quarto    (via computador), ou mesmo pelas mãos(no caso do celular), passando ainda por todos os ambientes formadores de opiniões – o que inclui até mesmo a igreja – chegando até aos rincões mais distantes(algumas vezes até rurais!).


Assim, o reflexo de toda esta realidade passa a ser a correria, o estresse, a superficialidade relacional, a ausência de comunhão e confraternização verdadeira, a depressão, a espiritualidade fast-food pragmática, a valorização do estereótipo, a proliferação da pobreza e dos endividados, o terror das megastores(e mega-igrejas!) e seu poder de atração sem sensatez, a indiferença diante dos marginalizados e dos que sofrem(afinal eles precisam de tempo, envolvimento pessoal e relacionamentos!), a pressão sobre os solteiros adultos, sobretudo das mulheres, a subvalorização cultural local, o isolamento, a rejeição, os casamentos prematuros, os divórcios inflexíveis(e agora, no Brasil, mais rápido que nunca!), e coisas afins... Em suma, um estilo de vida pessoal enfermo e relações interpessoais deformadas.


Os fatores relacionados acima não são novidades. Na verdade, são simples constatações que todos nós podemos fazer ao observar a maneira como estamos nos relacionando com a vida, com os sistemas e instituições, e com as outras pessoas. Também é fácil perceber o fator fundamental por trás de tudo isso: ter e fazer tem sido valorizado como mais importante. Daí a pertinência atual do dilema: “Ser ou não ser: eis a questão!


Eu sei que vai parecer jargão religioso, mas aí vai: a verdade é que em Deus temos a solução! Você pode entender esse “em Deus” como uma referência à religião, mas o que quero dizer vai um pouco mais além(assim como o próprio Deus: sempre além da religião!), trata-se da revelação da essência existencial dEle próprio: Deus Se revelou como o “Eu Sou”(Ex. 3:14) e disse que isso era o suficiente. Semelhantemente, Jesus ao estar diante do momentum decisivo de sua missão – ir para a cruz e viver o propósito de Deus ou fugir dela e obter os aplausos da sociedade manipulada – revelou-se, de maneira impactante como “Eu Sou”(Jo. 18:5,6), o que foi, de fato, suficiente para seguir rumo à realização do que Deus lhe confiara para fazer por aqui.


Portanto, devemos tomar isso como lição absoluta que responde, sem sombra de dúvidas, à questão de Shakespeare e às nossas: ser é mais importante! Parece-me ser legítimo e correto afirmar que, no fim das contas, ser é a nossa missão! Não é o que temos, nem o que fazemos, que conta em nossa relação com Deus (e até com as outras pessoas, se formos todos honestos!), mas quem somos – e isso no tempo presente.


  • Quando somos cristãos, Cristo(não a religião cristã!) se manifesta naturalmente através de nós, sem ter que, para isso, promover eventos ou fazer propagandas do que temos e fazemos; 
  • quando somos amigos, estamos disponíveis e presentes, sem necessariamente sermos obrigados a fazer algo; 
  • quando somos misericordiosos, expressamos misericórdia, sem ter que promover assistencialismos para receber aplausos ou reconhecimento público; 
  • quando somos humanos, nos identificamos com as virtudes e fraquezas dos outros humanos, sem ter que aprentar aparência ou discurso super-humanos; 
  • quando somos família, vivemos como quem tem um vínculo além dos sobrenomes(civis ou institucionais); 
  • quando somos adoradores, vivemos para a glória de Deus, sem precisar de música ou eventos para isso; 
  • quando somos  espirituais, vivemos no cultivo e no compartilhamento do fruto do Espírito Santo, sem ter que desenvolver leis ou jargões que relatem tal característica;
  • quando somos igreja, vivemos como uma comunidade de seguidores de Jesus que se preocupam em demonstrar, através da vida diária, a porta aberta do Reino de Deus a todos, sem criar guetos ou categorias do tipo nós/eles; 
  • quando somos quem somos com honestidade, assumimos abertamente nossa identidade existencial: algumas vezes adquirimos virtudes, muitas vezes, porém, por sermos humanos, desenvolvemos falhas comportamentais que em nada destroem a singularidade de sermos quem somos, nem as possibilidades de Deus nos transformar em seres melhores nos momentos seguintes da aventura da vida.


Esta é uma boa notícia: Jesus Cristo, trouxe o Reino que nos transforma em pessoas novas. Não somos seres utilitários, mas seres relacionais. Deus não está preocupado com os resultados numéricos de nossa existência, mas com a eficácia relacional a partir de quem somos. Por isso é que Jesus traduziu a Lei absoluta numa versão atualizadíssima: “Amarás o Senhor Teu Deus... e amarás o teu próximo” – Para amar precisamos ser pessoas do amor, uma vez que é uma atitude abnegadora e relacional. Amar não é tarefa e nem um bem que se possua: é um dom Divino que invade o ser daquele que deseja simplesmente ser.
 

Celso Tavares