Em nossos dias, a máxima que predomina é que “quem trabalha merece descanso”. Isso é legítimo até do ponto de vista das normas trabalhísticas, o que não está necessariamente errado. Porém, a partir da perspectiva de Deus, poderíamos dizer que “trabalha melhor quem está devidamente descansado”. Ou seja, olhando dessa lógica, podemos ver que o descanso é que nos prepara para o trabalho e outras atividades da vida e não o contrário. E como essa afirmação tem o fundamento do Reino de Deus, é claro, ela é, de certa forma, contra-cultura. Breen e Kallestad são categóricos em suas considerações: “Devemos trabalhar a partir do descanso e não descansar do nosso trabalho. O descanso é o ponto de partida saudável que Deus tem para nós. Esta é a ordem que Deus estabeleceu para nós: descansar, e então trabalhar.”[2]
Em nossos dias é exorbitante e crescente o índice de indivíduos cansados, desgastados e estressados por causa do excesso de atividades (trabalho, estudos, reuniões e até entretenimento) e informações. O clamor por descanso é um berro que ecoa do corpo e da alma. E o pior é que já está gerando uma poluição sonora existencial – há uma multidão que clama, uma multidão que ouve, e uma multidão que nada faz a respeito! Mas, parece que a ordem social que predomina não alivia a barra de forma alguma. Bem, os reflexos desse estilo de vida sobrecarregado é visto nas doenças físicas e psicossomáticas, nas fragmentações conjugais e familiares, nas manifestações publicadas de impaciências, violências, agressões e na tirania da pressa que tem tornado as pessoas em seres que anseiam e lutam por uma vida mais tranqüila (o que custa caro, e parece ser para poucos).
Mas, pense nisso com honestidade: como seria se encarássemos os descanso como o fundamento e não como a conseqüência? Algumas atitudes, certamente, seriam transformadas:
- O descanso seria o treinamento e as atividades a prática.
- A expectativa pelo trabalho seria diferente: o rendimento seria a conseqüência do descanso e não da pressão do mercado.
- O descanso certamente ditaria o limite que estabeleceríamos para o tempo a ser gasto nas atividades ao longo dos outros dias e momentos. Ao menor sinal de excesso, o soaria – como já o faz – o alarme do corpo e das emoções.
- O dia de descanso seria, de fato, um tempo sagrado a se observar com mais reverência, e não o Oásis desejado em meio ao deserto da semana, do mês ou do ano.
- Os relacionamentos, as escolhas e decisões seria frutos do descanso e não reflexos de atitudes impensadas e reativas.
Ao longo do texto Bíblico podemos perceber que há uma coerência com essa realidade da importância de primeiro parar para depois seguir na missão da vida: Deus criou Adão e, após a parada sabática, o coloca no trabalho da supervisão e cuidado com o resto da criação. Depois, em outros eventos e personagens encontramos dinâmica semelhante: Noé, teve que parar tudo para prosseguir depois com o recomeço da história; Moisés, teve que parar para se encontrar com Deus e receber a missão de libertação do povo hebreu do Egito, e depois ainda teve, por direção Divina, várias paradas ao longo da jornada; enfim, Jesus, o referencial absoluto, antes de partir para sua jornada ministerial foi levado para uma parada, sozinho, no deserto. Não é por caso que essas pessoas citadas tiveram um período de parada que envolve o mesmo número: 40. É o número apropriado para a recriação de uma nova vida, uma nova “geração” (palavra que traduz, muitas vezes, o significado implícito do uso deste numero em certos eventos bíblicos).
Kundtz[4] propõe três modos específicos de parar:
- Pausas Breves: Parar rapidamente e não fazer nada durante apenas um instante. Visam aproveitar os momentos aparentemente vazios: ao esquentar alimentos no microondas, escovando os dentes ou parado no sinal de trânsito. Ele descreve o procedimento assim: “Você para o que está fazendo, fica sentado ou em pé, respira fundo com os olhos abertos ou fechados, focaliza a atenção interiormente e recorda o precisa recordar. Pare, respire e recorde. Pode ser também um momento para fazer ou recordar uma oração. Engraçado, mas Kundtz diz que “o banheiro pode ser um dos melhores locais para se realizar uma pausa breve”.
- Escalas de Viagem: Períodos maiores do que as pausas breves: de uma hora a vários dias. Pode ser dar numa tarde, num dia ou num fim de semana. “Se você parar com freqüência, vai acabar aprendendo a ler a linguagem do seu corpo antes de ficar doente”. Eu diria que aqui está uma forte recomendação sobretudo para aqueles que tem cuidado com sua vida espiritual. Do dia específico ao momento da adoração comunitária, essa parada sabática é sagrada e não deveria ser trocada por outras atividades desgastantes. Para nós cristãos – a maioria de nós, é claro – temos um dia que é feriado legal (domingo), no qual temos toda a condição de o aproveitarmos como um período sabático e terapêutico. Daí a minha insistente proposta de que se observe este dia como dia de adoração e descanso, e por isso não devemos enchê-lo de atividades – mesmo religiosas - reuniões, e muito menos outras atividades que não promovem descanso para o indivíduo e para a família (trabalho, estudos, competições, correrias etc.).
- Paradas Gerais: Essas, em certas escalas, provavelmente, acontecerão poucas vezes na vida da maior parte das pessoas, e nem todos precisam delas. São períodos que vão de uma semana a um mês ou mais. Para muitos, essa parada pode ser chamada de divisor de águas, quando ocorre em meio a um período de crise e que mudanças profundas precisam acontecer no próprio estilo de vida. Kundtz usa a metáfora do computador para explicar o que se consegue através de uma parada geral:
“Pelo que entendo, um computador examina minuciosa e constantemente numerosos bits de informação, selecionando apenas aquilo de que precisa para realizar a tarefa solicitada. É o que acontece no decorrer de uma Parada Geral. O seu computador interno esquadrinha a sua vida, tudo o que já se passou antes, todos os caminhos percorridos, todos os ensinamentos recebidos, todos os valores e objetivos de vida, para tomar a decisão desejada. Uma parte dessa investigação é consciente e deliberada, mas a maior parte dela é inconsciente e automática. É feita enquanto você anda de bicicleta, prepara as suas refeições, contempla o mar.”[5]
Paz e alegria!
Celso Tavares
[1]BREEN, M. e KALLESTAD, W. “Uma Igreja Apaixonante”. CPAD. 2005.
[2] BREEN e KALLESTAD. Op. Cit.
[3] KUNDTZ, David. “A Essencial Arte de Parar”. Sextante. 2005.
[4] KUNDTZ, D. Op. Cit.
[5] KUNDTZ, D. Op. Cit.