Dias atrás eu
assistia a uma partida de futebol pela TV, quando o técnico de um dos
times substituiu um dos jogadores colocando um que estava,
circunstancialmente, no banco de reservas. Aí o comentarista fez a
seguinte observação: "Já o vimos jogar como zagueiro, lateral e meio
de campo, mas como atacante será a primeira vez. Acho que ele não vai
dar conta disso!" Foi exatamente o que ocorreu: jogou mal e comprometeu o time. Um fato simples e corriqueiro neste tipo de esporte.
Uma
constatação paralela que me veio à mente, entretanto, é como isso
também anda acontecendo nas diversas áreas da vida - da nossa vida. O
estilo de vida competitivo que coisifica as pessoas tem levado
muitos a assumir papéis e funções que não são os seus: na família, no
trabalho, na sociedade etc. O resultado não pode ser outro senão um
verdadeiro comprometimento dos projetos em que se está envolvido.
Quando
assistimos a certos filmes em que determinados personagens se
caracterizam pelo uso de disfarces achamos interessante, afinal aumenta o
senso de aventura e curiosidade. Mas, na vida real a coisa não funciona
assim. Todo disfarce é o encobrimento da verdadeira identidade.
Quando a identidade de uma pessoa é escondida, ou mesmo sufocada, as
relações nas quais se encontra envolvida ficam totalmente comprometidas.
Cada
pessoa tem uma só cabeça, por isso tentar fazer uso de mais de um
chapéu ao mesmo tempo é um risco e até, eu diria, uma atitude ignorante e
autodestrutiva. Identidade plural é uma falsificação ideológica:
é um crime contra a própria essência de ser quem realmente é. Não é
saudável tentar ser você e outra pessoa simultaneamente. É por isso que
os estudantes, candidatos aos exames de vestibulares, ficam
desorientados, em crise, quando precisam fazer a opção por um curso ou
carreira. Não sabem se assumem quem são com suas habilidades reais e
seus sonhos, ou se devem enveredar-se pelos tradicionais caminhos dos
disfarces como o fizeram - e o fazem - seus amigos, parentes e mentores.
É por isso também que pessoas graduadas em certos cursos acabam
trabalhando satisfatoriamente em áreas completamente diferentes.
Certamente, cederam em algum momento da vida à pressão de se ganhar mais
do que precisavam ou de ter que alcançar o status aprovado pela
opinião dos outros e aí, num certo momento, tiveram que rever suas
opções anteriores. É por isso também que muitos cônjuges desistem do
casamento: o papel do marido ou esposa nada mais tem a ver com o papel
que foi "representado" no namoro - época de muitos disfarces - e quando
chega o momento de expressar quem realmente é, manifestam-se verdadeiros
desastres relacionais. O fato é que chega um momento na vida quando
todos cansam da mediocridade do uso de máscaras. Aí, então, corre-se o
risco de os outros não gostarem tanto da verdadeira identidade exposta.
É
essencial o autoconhecimento para manter-se nos trilhos da verdadeira
[auto]identidade. Infelizmente, hoje, muitos reagem às crises de
autoimagem buscando transformar-se em outras pessoas, à imagem e
semelhança dos estereótipos banais formatados pela mídia. Agora
virou moda nos programas de TV os quadros do tipo "antes e depois": a
pessoa se submete a um processo no qual é transformada na aparência
e recebe, após a exibição do resultado, os aplausos do público e maior
aceitação de familiares e amigos. Porém, esquecem de que é uma mudança
exterior e que toda mudança que só ocorre de fora para dentro tende a
gerar deformações emocionais, uma vez que é fruto de pressão e não de um
coração necessariamente transformado. Além disso, os recursos materiais
e financeiros, os produtores e assessores de moda e maquiagem não
estarão mais à disposição no dia a dia da vida que seguirá. A partir
daí, é até possível que surjam dívidas e comprometimento da própria
consciência para tentar manter o padrão do novo disfarce.
Não
é que não podemos, vez por outra, mudar a aparência procurando um certo
embelezamento. A questão destacada aqui é que o que valorizamos de fora
mostra o estado de dentro, da alma, da verdadeira identidade. Podemos
até, em algumas ocasiões, nos sentirmos descontentes com o que estamos
sendo, ou mesmo ter o desejo de sermos pessoas melhores e mais eficazes.
Mas isso não deve nos levar a buscar adotar a aparência e o talento de
outros como o modelo absoluto a ser seguido. Na verdade, isso, muitas
vezes, pode ser sintoma de inveja - uma motivação destrutiva para
qualquer tipo de mudança.
Podemos
mudar nossas atitudes, e em alguns casos devemos mudá-las, mas isso à
luz de quem somos e devemos ser, e não por causa da pressão de sermos
outra pessoa. O ser humano é único em essência e não uniforme. Caso
alguém queira saber como detectar a anomalia da crise de
identidade que assola a sociedade, basta ir às festas ou grandes eventos
sociais e observar a uniformização generalizada de mentes geralmente
desprovidas de segurança, autoafirmação e até de senso crítico: roupas,
cabelos, penteados etc. É fácil perceber um bando de gente disfarçada, e
o que é pior: a maioria usa o mesmo tipo de disfarce, ou seja, estão
usando a identidade de uma outra pessoa a fim de serem aceitas por
grupos específicos. Na verdade, existencialmente, agem como um bando de criminosos. "Isto é uma vergonha!" usando o jargão do Boris Casoy.
Cada
um recebeu de Deus o dom de ser quem é. É como se fôssemos membros de
um único corpo. Precisamos pensar e encarar nossa identidade e
funcionalidade num sentido complementar. Nossas habilidades específicas
são necessárias para o bom e pleno funcionamento do todo. Haverá
similares e distintos, porém, não existimos para sermos cópias, mas originais. Cabe, portanto, a cada um ser quem realmente é e cumprir bem o seu devido papel
- aquilo para o qual existe, aquilo que sabe fazer bem, ainda que possa
vir a melhorar - Deus mesmo nos convida à melhoria constante a partir
de uma renovação da mente e do coração. É essencial não tentar ser quem
não pode ser e nem buscar fazer o que não deve ou não tem habilidades
fundamentais para fazer. À luz da criação Divina e da vida a identidade
de cada um é rica em beleza e expressão. Por isso não há como viver uma identidade plural, com muitas faces - isso é uma distorção do próprio caráter.
Ao
lidar com isso, certamente, estaremos cooperando na diminuição do
estresse emocional, da competição social e de certas doenças e
sofrimentos - em nós e nos outros -, e ainda proporcionaremos à nós e às
outras pessoas o senso de utilidade, de valor e de liberdade que todos
desejamos.
Paz e muita alegria!
Celso Tavares
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