segunda-feira, 19 de setembro de 2011

"IDENTIDADE PLURAL: QUE DOENÇA!"

Dias atrás eu assistia a uma partida de futebol pela TV, quando o técnico de um dos times substituiu um dos jogadores colocando um que estava, circunstancialmente, no banco de reservas. Aí o comentarista fez a seguinte observação: "Já o vimos jogar como zagueiro, lateral e meio de campo, mas como atacante será a primeira vez. Acho que ele não vai dar conta disso!" Foi exatamente o que ocorreu: jogou mal e comprometeu o time. Um fato simples e corriqueiro neste tipo de esporte.
Uma constatação paralela que me veio à mente, entretanto, é como isso também anda acontecendo nas diversas áreas da vida - da nossa vida. O estilo de vida competitivo que coisifica as pessoas tem levado muitos a assumir papéis e funções que não são os seus: na família, no trabalho, na sociedade etc. O resultado não pode ser outro senão um verdadeiro comprometimento dos projetos em que se está envolvido.

Quando assistimos a certos filmes em que determinados personagens se caracterizam pelo uso de disfarces achamos interessante, afinal aumenta o senso de aventura e curiosidade. Mas, na vida real a coisa não funciona assim. Todo disfarce é o encobrimento da verdadeira identidade. Quando a identidade de uma pessoa é escondida, ou mesmo sufocada, as relações nas quais se encontra envolvida ficam totalmente comprometidas.

Cada pessoa tem uma só cabeça, por isso tentar fazer uso de mais de um chapéu ao mesmo tempo é um risco e até, eu diria, uma atitude ignorante e autodestrutiva. Identidade plural é uma falsificação ideológica: é um crime contra a própria essência de ser quem realmente é. Não é saudável tentar ser você e outra pessoa simultaneamente. É por isso que os estudantes, candidatos aos exames de vestibulares, ficam desorientados, em crise, quando precisam fazer a opção por um curso ou carreira. Não sabem se assumem quem são com suas habilidades reais e seus sonhos, ou se devem enveredar-se pelos tradicionais caminhos dos disfarces como o fizeram - e o fazem - seus amigos, parentes e mentores. É por isso também que pessoas graduadas em certos cursos acabam trabalhando satisfatoriamente em áreas completamente diferentes. Certamente, cederam em algum momento da vida à pressão de se ganhar mais do que precisavam ou de ter que alcançar o status aprovado pela opinião dos outros e aí, num certo momento, tiveram que rever suas opções anteriores. É por isso também que muitos cônjuges desistem do casamento: o papel do marido ou esposa nada mais tem a ver com o papel que foi "representado" no namoro - época de muitos disfarces - e quando chega o momento de expressar quem realmente é, manifestam-se verdadeiros desastres relacionais.  O fato é que chega um momento na vida quando todos cansam da mediocridade do uso de máscaras. Aí, então, corre-se o risco de os outros não gostarem tanto da verdadeira identidade exposta.
É essencial o autoconhecimento para manter-se nos trilhos da verdadeira [auto]identidade. Infelizmente, hoje, muitos reagem às crises de autoimagem buscando transformar-se em outras pessoas, à imagem e semelhança dos estereótipos banais formatados pela mídia. Agora virou moda nos programas de TV os quadros do tipo "antes e depois": a pessoa se submete a um processo no qual é transformada na aparência e recebe, após a exibição do resultado, os aplausos do público e maior aceitação de familiares e amigos. Porém, esquecem de que é uma mudança exterior e que toda mudança que só ocorre de fora para dentro tende a gerar deformações emocionais, uma vez que é fruto de pressão e não de um coração necessariamente transformado. Além disso, os recursos materiais e financeiros, os produtores e assessores de moda e maquiagem não estarão mais à disposição no dia a dia da vida que seguirá. A partir daí, é até possível que surjam dívidas e comprometimento da própria consciência para tentar manter o padrão do novo disfarce. 

Não é que não podemos, vez por outra, mudar a aparência procurando um certo embelezamento. A questão destacada aqui é que o que valorizamos de fora mostra o estado de dentro, da alma, da verdadeira identidade. Podemos até, em algumas ocasiões, nos sentirmos descontentes com o que estamos sendo, ou mesmo ter o desejo de sermos pessoas melhores e mais eficazes. Mas isso não deve nos levar a buscar adotar a aparência e o talento de outros como o modelo absoluto a ser seguido. Na verdade, isso, muitas vezes, pode ser sintoma de inveja - uma motivação destrutiva para qualquer tipo de mudança.

Podemos mudar nossas atitudes, e em alguns casos devemos mudá-las, mas isso à luz de quem somos e devemos ser, e não por causa da pressão de sermos outra pessoa. O ser humano é único em essência e não uniforme. Caso alguém queira saber como detectar a anomalia da crise de identidade que assola a sociedade, basta ir às festas ou grandes eventos sociais e observar a uniformização generalizada de mentes geralmente desprovidas de segurança, autoafirmação e até de senso crítico: roupas, cabelos, penteados etc. É fácil perceber um bando de gente disfarçada, e o que é pior: a maioria usa o mesmo tipo de disfarce, ou seja, estão usando a identidade de uma outra pessoa a fim de serem aceitas por grupos específicos. Na verdade, existencialmente, agem como um bando de criminosos. "Isto é uma vergonha!" usando o jargão do Boris Casoy.

Cada um recebeu de Deus o dom de ser quem é. É como se fôssemos membros de um único corpo. Precisamos pensar e encarar nossa identidade e funcionalidade num sentido complementar. Nossas habilidades específicas são necessárias para o bom e pleno funcionamento do todo. Haverá similares e distintos, porém, não existimos para sermos cópias, mas originais. Cabe, portanto, a cada um ser quem realmente é e cumprir bem o seu devido papel - aquilo para o qual existe, aquilo que sabe fazer bem, ainda que possa vir a melhorar - Deus mesmo nos convida à melhoria constante a partir de uma renovação da mente e do coração.  É essencial não tentar ser quem não pode ser e nem buscar fazer o que não deve ou não tem habilidades fundamentais para fazer. À luz da criação Divina e da vida a identidade de cada um é rica em beleza e expressão. Por isso não há como viver uma identidade plural, com muitas faces - isso é uma distorção do próprio caráter.

Ao lidar com isso, certamente, estaremos cooperando na diminuição do estresse emocional, da competição social e de certas doenças e sofrimentos - em nós e nos outros -, e ainda proporcionaremos à nós e às outras pessoas o senso de utilidade, de valor e de liberdade que todos desejamos.


Paz e muita alegria!

Celso Tavares

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