“Jesus, a própria ideia de Ti
Toma-me com doçura densa;
Mais é ver-te o rosto aqui
E ficar em Tua presença”
Bernardo de Clairvaux
Quem é o seu mestre? Você é discípulo de quem? Sinceramente.
Uma coisa é certa: você é discípulo de alguém. Você aprendeu com alguém a arte de viver. Não ha exceções a essa regra, pois o ser humano é o tipo de criatura que precisa aprender continuamente com os outros a viver. Aristóteles observou que devemos mais aos nossos mestres do que aos nossos pais, pois embora os pais tenham nos dado a vida, os mestres nos ensinaram a vida reta.
Uma das transições principais da vida é justamente identificar quem nos ensinou, nos conduziu, e depois avaliar os resultados que essa orientação deixou em nós. É uma tarefa angustiante, e às vezes simplesmente não conseguimos assumi-la. Mas também pode abrir a porta para a escolha de outros mestres, possivelmente mestres melhores, e acima de tudo um Mestre.
O pressuposto do projeto de Jesus para os seus seguidores na terra era que eles viveriam como seus alunos e colaboradores. Eles o achariam tão admirável em todos os aspectos – Sábio, belo, poderoso e bom – que constantemente buscariam estar na sua presença para receber dele orientação, instrução e auxílio em todas as facetas de suas vidas. Pois ele é de fato o cabeça vivo da comunidade do amor em oração em todo o tempo e espaço... Na sua presença a nossa vida interior se transforma, e seremos pessoas para quem o modo de agir de Jesus é o natural (e sobrenatural).
COMO SER DISCÍPULO
Convém notar que ser discípulo, ou aprendiz, de Jesus é uma coisa bem definida e óbvia. Fazer mistério disso é compreender erradamente o que significa. Não há razão que justifique o fato de alguns duvidarem que são realmente seus alunos. E sempre haverá prova bem clara de que determinado indivíduo é ou não seu aluno, embora talvez não estejamos em posição de colher essa prova e raramente tenhamos motivo legítimo para colhê-la ou usá-la.
Hoje aceita-se quase universalmente que você pode ser cristão sem ser discípulo. E aquele que de fato age como aprendiz e colaborador de Jesus no seu cotidiano é sem Duvida nenhuma “cristão”em todos os sentidos fundamentais dessa palavra. O próprio termo cristão foi explicitamente introduzido no Novo Testamento – em cujo texto, a propósito, ele somente é usado três vezes -, aplicando-se aos discípulos quando não podiam mais ser chamados judeus em função de haver entre eles muitos gentios.
Ora, quando interpelamos as pessoas perguntando se são aprendizes de um importante político, músico, advogado ou roteirista de cinema, elas não precisam nem de um segundo para responder. O mesmo se dá se fazemos a mesma pergunta a pessoas que estudam espanhol ou alvenaria com alguém desconhecido do público. É algo que dificilmente escaparia à atenção de qualquer um. Como então não afirmar o mesmo do discipulado de Jesus?
Porém, se perguntarmos se fulano é um bom aprendiz desse ou daquele profissional, aí pode haver hesitação. Talvez ele responda não. Ou sim. Questionado sobre se poderia vir a ser melhor aluno, provavelmente responderia que sim. E tudo isso está perfeitamente de acordo com a ideia de ser discípulo ou aprendiz. Pois ser discípulo em qualquer campo ou relacionamento é não ser perfeito. É possível ser um novato bastante inexperiente e incompetente e ser, apesar disso, um discípulo.
Faz parte do revigorante realismo dos Evangelhos observar que Jesus muitas vezes “bronqueia”com os discípulos. Isso, contudo, nada tem que ver com rejeitá-los. É, de fato, uma forma de ser fiel a eles, assim como o castigo é o meio de que Deus se utiliza para mostrar que alguém é seu filho (Hb. 12:7-10). Um bom “mestre” leva os seus aprendizes a sério e, portanto, chama a atenção deles sempre que necessário.
O QUE É UM DISCÍPULO
Com base no que dissemos acima, então, discípulo ou aprendiz é simplesmente aquele que decidiu estar com outra pessoa, em condições adequadas, a fim de ser capaz de fazer o que faz o mestre, ou de tornar-se o que é o mestre.
Como aplicar esse conceito ao discipulado cristão? O que faz exatamente Jesus, o Senhor encarnado? Ou podemos perguntar: em que ele “é bom”? A resposta se encontra nos Evangelhos: ele vive no reino de Deus, põe em prática esse reino para o bem dos outros, e até possibilita que as pessoas entrem elas mesmas no reino. As mais profundas verdades teológicas sobre a sua pessoa e a sua obra não contrariam essa simples realidade. É aquilo a que ele nos chama ao dizer: “Segue-me”.
O relato que Pedro nos dá da primeira apresentação “oficial” do Evangelho aos gentios representa um retrato preciso do Mestre de quem somos aprendizes. “Vós conheceis a palavra que se divulgou por toda a Judeia, tendo começado desde a Galileia”, disse ele a Cornélio, “como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e poder, o qual andou por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com Ele”(At. 10:37,38). E como discípulo de Jesus, eu estou com ele, por escolha própria e pela graça, aprendendo com ele a viver no reino de Deus. Essa é a ideia crucial. Isso significa, convém lembrar, viver dentro do alcance da vontade eficaz de Deus, a sua vida fluindo pela minha. Outro modo expressivo de falar a mesma coisa é dizer que estou aprendendo com Jesus a viver a minha vida como ele viveria a minha vida se fosse eu. Não estou necessariamente aprendendo a fazer tudo o que ele fez, mas sim aprendendo a fazer tudo o que faço da maneira que ele fez tudo o que fez.
A HORA DE DECIDIR: O PODER DA DECISÃO E DA INTENÇÃO
O passo final de quem pretende tornar-se discípulo é decidir. Só a decisão pessoal faz de alguém aluno de Jesus para toda a vida. E só depois de avaliar com clareza o “preço” - os ganhos e as perdas de quem se torna, ou não, aprendiz de Jesus – é que se pode tomar uma decisão correta. Porém, a decisão é imprescindível. Não é algo que simplesmente aconteça. Ninguém cai de paraquedas no discipulado.
Essa decisão parece algo simples, mas hoje é normalmente esquecida ou desconsiderada, mesmo por aqueles que julgam ter sincero interesse em Jesus e no seu reino. Raramente encontro alguém que já tenha de fato tomado a decisão de viver como aluno de Jesus do modo [como tenho] analisado. A maioria dos cristãos confessos jamais teve isso muito claro para si. Confusões correntes acerca do significado dessa decisão, e a incapacidade de líderes e professores em dar instrução a respeito dela e enfatizar a questão do discipulado, tornam a situação praticamente inevitável.
Extraído e condensado por Celso Tavares, a partir do texto de Dallas Willard, no livro “A Conspiração Divina” (Ed. Mundo Cristão), cap. 8, pp.299-327.
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