"Andemos de acordo com o que já alcançamos!" Fp. 3:16
Algumas pessoas gostam de aprovar, ou reprovar, pastores e pregadores com frases do tipo: "Ele prega o que vive", ou "Ele não vive o que prega". Isso é interessante, mas, cá entre nós, é uma boa maneira de transferir a responsabilidade da coerência cristã. De fato, ninguém é chamado para pregar o que vive, mas "viver o que crê". São os valores que o indivíduo vivencia que demonstra de fato a sua o que ele crê. E esse chamado não está resumido a pastores, ou pregadores. É claro que um pregador tem uma responsabilidade imensa por cada palavra que profere, mas... sejamos sinceros: de púlpito(ao vivo ou não), por telefone, mensagens de texto ou virtuais (emails, facebook, twitter etc.), temos sido todos pregadores, não é mesmo?
É muito triste ver como conseguimos tornar a dinâmica transformadora da Palavra de Deus em algo tão sem eficácia em nossas vidas práticas! O excesso de familiaridade dos "crentes" com a Bíblia e a mentalidade relativista de nossa sociedade pós-moderna tem contribuído para que nos contentemos com um estilo de vida superficial e até medíocre que em quase nada faz lembrar a vida de Jesus e dos apóstolos. É incoerência demais... Mas, tudo continua sendo feito em nome de Deus!
Os "crentes" (os que crêem conforme a fé cristã: católicos, protestantes, pentecostais etc.) deveriam ser os que mais crêem (i.e., tem capacidade extraordinária de confiar e esperar). No entanto, apresentam-se, generalizadamente, como pessoas extremamente imediatistas e precipitadas: desconhecem a virtude da esperança. A grande maioria confunde fé com pensamento positivo do qual espera-se que faça materializar respostas instantâneas. Quando não há esperança, há desespero - mesmo que travestido de piedade estereotipada.
As relações entre os membros da Igreja (diferentes, mas membros do mesmo Corpo de Cristo), deveriam ser marcadas por submissão mútua, serviço, compaixão, perdão e amor. No entanto, o que prevalece são relacionamentos marcados por egoísmo, barganhas e oportunismo: não estou pressupondo, estou afirmando por conhecimento de causa vivendo no entre os mais diferentes meios "cristãos"(conservadores, carismáticos, pentecostais, paraeclesiásticos etc), dentro e fora do país. Via de regra, os relacionamentos não se firmam como grandes amizades (Ah, quem dera!), mas como companheirismos de "clubes". Na primeira divergência, as relações são - literalmente - cortadas e parte-se em busca do que tiver a melhor oferta para o ego dos futuros sócios. Isso, sem falar nas brigas tolas entre líderes que disputam fama e multidões, ou, pior, os que caluniam outros líderes pelas costas junto aos seus rebanhos manipulados e desprovidos de senso crítico. Como diria Casoy: "Isso é uma vergonha!"
Faz parte da Confissão de Fé de grande parte dos evangélicos a declaração de que "a Bíblia é a única regra de fé e prática". Mas, infelizmente, faz parte dos frutos visíveis de muitos que declaram isso o estilo de vida incoerente com tal princípio. A Bíblia ora é objeto de estudo, ora é objeto de exposição discursiva; ora é talismã, ora é objeto de veneração. É realmente muito bom ler as Escrituras e ouvir pregações sensatas e equilibradas. No entanto, para quem crê que a Bíblia é a Palavra de Deus (este é o meu caso), ela é o instrumento da voz de Deus. Se formos à Bíblia e não escutarmos a voz de Deus, teremos apenas feito um exercício intelectual, sem impacto espiritual e existencial. Mas, se ouvirmos a voz de Deus... ah, se isso acontecer... não tenho dúvidas de que as nossas vidas serão transformadas e, de alguma forma, seremos instrumentos para a transformação de outros: não instrumentos para movimentação proselitista (que fazem adeptos de uma religião mudarem para outra). Afinal, se ouvirmos a voz de Deus, certamente, viveremos humildes em obediência radical.
Mas o universo religioso que se desenha tem se contraposto ao espírito da obediência radical: é um mundo dos que se exibem, reivindicam, determinam, quebrantam-se apenas movidos por músicas, disputam os mais altos cargos das organizações/denominações cristãs com as mesmas aspirações políticas que envergonham a sociedade. Já não há mais, no geral, disposição para submissão, mas anseio pelas vitrines das "autoridades" abusivas, que a ninguém prestam contas.
Meus amigos, nós sabemos muito e a respeito de muitas coisas. Mas a quem queremos impressionar? Ou melhor, que tipo de fruto querermos colher, se é que somos nós quem deve colhê-los? Pensemos:
- A Bíblia é a Palavra de Deus que está ao nosso alcance diariamente: há algo que nos impeça de observá-la e praticá-la? Em qual circunstância gostaríamos de saber a vontade de Deus? Eis a dica para todos nós.
- A adoração é um estilo de vida de total e intensa devoção a Jesus. Nenhuma liturgia (músicas, danças, cd, etc.) ou reunião (culto, conferência, congresso etc.) pode resumir a realidade dessa condição interior.
- Comunhão jamais foi - e jamais será - retratada por classes, cultos, reuniões ministeriais e programas. Comunhão é uma identificação comunitária onde há partilha e generosidade. Isso só acontece onde há profundidade relacional além das reuniões formais da igreja.
- Discipulado é o processo de seguimento - imitação - radical de Jesus. Não há como limitá-lo a reuniões, estudos bíblicos ou pregações. É um vínculo de serviço ao Rei do Reino. Ninguém vivencia discipulado sozinho, e muito menos fora de um contexto de formação comunitária local (igreja).
- Compaixão é um procedimento exterior fruto de uma atitude interior que se move no sentido de promover o bem estar do outro ao sentir-se identificado com a dor e o sofrimento alheios. Não há a menor necessidade de se departamentalizar essa iniciativa. Aliás, quando isso acontece, o gesto se institucionaliza e está prestes a morrer. Quem é compassivo não precisa anunciar que vai fazer e nem divulgar o que fez: apenas age e socorre. Você e eu podemos ser assim em qualquer lugar, não é verdade?
- O poder do Espírito Santo é a moção intensa da vida de Deus em nosso interior e deve ser conseguido e cultivado numa relação íntima e consistente com o Senhor. Jamais será uma "herança transferida" por pregadores (isso é aberração antibíblica!). No entanto, quando tal poder procede de Deus, ele se manifesta naturalmente em meio às circunstâncias onde há necessidades, e não no contexto de espetáculos para os espectadores religiosos. Bom, pelo menos isso é o que exemplifica Jesus e o contexto das Escrituras. É claro que pode ocorrer na evangelização. Porém, se formos honestos, veremos que Jesus evangelizava intensamente nas ruas e não necessariamente dentro do templo. Não é ele o nosso referencial (I Cor. 3:11)?
- A justiça é marca essencial da presença do Reino e, consequentemente, da presença profética dos discípulos de Jesus (Mt. 6:33). Mas justiça nada tem a ver com parcialidade institucional. Justiça não é legalismo denominacional. Justiça é a atitude coerente que confronta as manifestações do pecado e da maldade em toda forma de estrutura: social, política, econômica, cultural e religiosa.
- A Igreja é o Corpo de discípulos de Jesus. É a Sua família... Aliás, deve ser a nossa família. Laços familiares são profundos e eternos. Nenhuma família - sólida e equilibrada - consegue sobreviver de estudos, formalidades, ritos, reuniões etc... As relações devem ser interpessoais (entre pessoas; relação de cooperação etc.) ou, como a chamam alguns: "vida-na-vida". Para desenvolver esse tipo de relacionamento na prática é preciso honrar - ainda que sacrificialmente - o "pacto de sangue" feito a partir de Jesus. Ele comprou pessoas de todas as raças, povos, línguas e nações, e as transformou em uma família. Quem não convive intensamente com a comunidade local, pode até fazer a tal "obra" em nome de Deus, mas, dificilmente, sabe o que é pertencer à Ele. O desejo dEle, como bem sabemos, é que, antes de fazermos qualquer coisa em Seu nome, sejamos totalmente dele e uns dos outros. Daí procede a vida e o ministério (Sl. 133).
Bem, acho que posso dar uma pausa nessa reflexão por aqui. Há muito ainda o que pensarmos juntos. No entanto, o objetivo não é o muito saber, mas praticar o bastante. Esse é o caminho, andemos por ele: o caminho da coerência deve ser o sentido único da nossa caminhada cristã por aqui, enquanto ainda temos tempo para isso.
Então, que os nossos corações possam se unir na angústia, no clamor, na cooperação, na oração, no serviço, no amor e na coerência.
Paz e alegria!
"Sejam praticantes da Palavra, e não apenas ouvintes, enganando-se a si mesmos" Tg. 1:22
Celso Tavares
0 comentários:
Postar um comentário